segunda-feira, 14 de julho de 2008

ESPAÇO PÚBLICO

Qualquer pessoa pode ter acesso ao espaço público, por isso é um ambiente que favorece o encontro social e facilita o desenvolvimento de múltiplas atividades, principalmente as culturais e de lazer. Muitas praças e parques propiciam também a recreação infantil e atividades esportivas, através dos seus playgrounds e quadras poliesportivas.
Segundo Silvio Soares de Macedo, as praças são espaços de convívio onde todos os integrantes da família podem usufruir. “As crianças pequenas são levadas a playgrounds, crianças maiores e jovens vão jogar ou patinar, velhos vão jogar cartas ou bochas, cachorros são conduzidos por seus donos para o passeio diário”. (MACEDO, 1999, p. 77). Porém, conforme o autor, os hábitos urbanos começaram a se interiorizar com o advento da televisão, passando a fixar as pessoas mais dentro das suas casas. Assim, as ruas passam a ser ocupadas pela camada da população rejeitada pela sociedade.
Foto: Parque Trianon em São Paulo. Fonte: www.flickr.com, 23/10/2007.

Por ser um espaço onde qualquer pessoa pode ter acesso, na nossa cultura, infelizmente, ele é comumente interpretado como “espaço sem dono” ou “espaço de ninguém”. Portanto, o espaço público gera medo e nele as pessoas mantêm-se afastadas uma das outras como forma de se proteger. Considerando os parâmetros de Hall, as pessoas procuram se distanciar umas das outras cerca de 3,50 à 7,50 metros, distância a qual “uma pessoa pode empreender uma ação de fuga ou defesa, se ameaçada”. (Hall apud OKAMOTO, 2002, p. 175).
Assim, a vida pública cotidiana das pessoas volta-se para os locais fechados ou para os espaços privados como os shoppings centers, entendidos forçadamente como semi-públicos. Nesse panorama, o automóvel exerce uma forte influência no ser humano em diversos aspectos. Além da sensação de status e beleza, ele desperta um caráter de segurança e privacidade. “O carro é como uma espécie de bolha protetora do indivíduo na cidade” (NUNES & BENICCHIO, 2004). É um espaço privado individual no espaço público, uma parte da casa que se leva para a rua.
A utilização em exagero do carro nas cidades faz com que se diminua a quantidade dos espaços públicos nelas. Eles ocupam hoje em dia, segundo Nunes e Benicchio, 30% da área urbana na cidade de São Paulo por exemplo. “No lugar da praça, o shopping Center; no lugar da calçada, a avenida; no lugar do parque, o estacionamento; em vez de vozes, motores e buzinas”. (NUNES & BENICCHIO, 2004).
Os menos favorecidos, as pessoas com nível social menos elevado, são os que mais sofrem com essa diminuição do espaço público e falta de equipamentos urbanos, pois para elas não há mais opção de lazer.
Em contraposição a essa situação, cidades européias, como Copenhagen, na Dinamarca e Amsterdã, na Holanda, apóiam o uso de meios de transportes alternativos, entre eles a bicicleta. Essas cidades executam cada vez mais projetos de ampliação de ciclovias e bicicletários, em busca da cidadania, por uma cidade melhor e mais saudável. Dessa forma sobra mais espaço para as pessoas, pois essas cidades dão prioridade ao ser humano não aos automóveis.
Foto: Bicicletário em Amsterdã
Fonte: Cimatti (www.flickr.com/photos)
Quanto menos se usa a cidade, mais ela se torna perigosa. “O isolamento leva ao sentimento de solidão. A repetição infinita dos mesmos pequenos rituais leva ao tédio”. (NUNES & BENICCHIO, 2004). Com o usufruto da cidade, o ser humano descobre relações e percebe melhor a paisagem. Só assim será possível sentir a cidade e absorver as coisas boas que ela tem a nos passar.
Estamos acostumados a ir e vir todos os dias pela cidade e esta parece não nos passar nenhum tipo de sentimento. Mal percebemos as edificações ao nosso redor. É bem capaz de não sabermos responder sequer qual é a cor da casa localizada à esquina da nossa rua.
Vários motivos contribuem para essa falta de sensibilidade para com a arquitetura. Entre eles está o isolamento atual das pessoas em espaços privados, conforme dito anteriormente. Assim, as pessoas vivem num lugar onde “o meio não é seu, o meio é para passagem”. (NUNES & BENICCHIO, 2004). Nós abandonamos a cidade na medida em que nos encontramos sempre fechados dentro dos nossos veículos ou em condomínios, e o fato de não usufruirmos dela acaba por privarmos de percebê-la e senti-la.
BIBLIOGRAFIA: MACEDO, Silvio Soares de. Quadro do paisagismo no Brasil. São Paulo: Coleção Quapá, 1999./ OKAMOTO, Jun. Percepção Ambiental e Comportamento: Visão Holística da Percepção Ambiental na Arquitetura e na Comunicação. São Paulo: Editora Mackenzie, 2002./ NUNES, Branca & BENICCHIO, Thiago. Sociedade do Automóvel. São Paulo: Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo da PUC, 2004.

*fragmentos de Monografia "ARQUITETURA... UMA PAUSA PARA A EMOÇÃO", apresentada ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tiradentes em 2007. Autoria: Carolina A. Vasconcelos

sábado, 5 de julho de 2008

"O padrão arquitetônico também segrega, separa, expulsa"


Infelizmente, há motivos para não possuirmos sensibilidade para com a arquitetura, uma vez que não há muita beleza nas ruas da maioria das cidades atuais e, numa análise mais profunda, até mesmo dentro das nossas casas. Portanto, preferimos nos tornarmos alheios à “feiúra” ao redor e assim passamos a incorporar a falsa sensação de que arquitetura não exerce influência sobre nossas mentes, conforme escreveu Alain de Botton:
"É para impedir a possibilidade de angústia permanente que podemos ser levados a fechar os olhos para quase tudo que nos cerca, pois nunca estamos longe de manchas de umidade e tetos rachados, cidades despedaçadas e estaleiros enferrujados. Não podemos permanecer indefinidamente sensíveis aos ambientes que não temos como melhorar - e acabar tão consciente quanto temos condições de ser. (...) talvez nos vejamos argumentando que, em última instância, não importa muito a aparência dos prédios, o que está no teto ou como a parede é tratada – confissões de desapego que se originam não tanto de uma insensibilidade ao que é belo quanto do desejo de afastar a tristeza que teríamos de enfrentar ficando expostos às muitas ausências de beleza. (BOTTON, 2007, p. 13).
Será que a justificativa encontra-se na escassa presença dos arquitetos na elaboração dos projetos arquitetônicos, em detrimento dos profissionais das engenharias? Mais uma vez acabamos por adentrar numa questão que merece reflexão, pois, é fato que, no Brasil, muitas edificações não nascem do pensamento de arquitetos, mas, por outro lado, parece que a afirmativa para esse questionamento se tornou uma fuga da real responsabilidade que esses profissionais se recusam em assumir.
Parafraseando Fernandes, é preciso recuperar a essência da arquitetura, pois devido a questões de caráter socioeconômico, a profissão perdeu seu significado cultural e ideológico. “Muitas vezes, a arquitetura é utilizada como marketing, utilizando diversos artifícios que despertem a atenção, que causem impacto, independente do seu nível intelectual” (FERNANDES, 2006, p. 15).
Infelizmente, a fim de causar impacto e chamar atenção, os arquitetos contemporâneos exageram do sentido da visão, através da imagem visual nas grandes metrópoles. Assim, as edificações “decidem mal-humoradamente não considerar seus vizinhos e gritar caoticamente por atenção, como amantes ciumentos e enraivecidos”. (BOTTON, 2007, p. 178).
Isso justifica o uso abusivo dos vidros reflexivos, dos metais, enfim, dos materiais brilhosos nos arranhas céus, fazendo com que se desperte a atenção logo no primeiro momento. É muita luz, muito brilho e muita poluição visual. O arquiteto Juhani Pallasmaa, em entrevista à revista Viver Cidades, declara que "a luz é uma coisa boa mas, assim como a água, quando em excesso, aniquila. Meus olhos não suportam o excesso de luminosidade, por isso, procuro sempre a sombra. E vivo num país sombrio. Como observou Louis Kahn, a pessoa que deseja ler um livro, procura a janela". (Pallasmaa apud Revista Viver Cidades n. 18, s/data, p. 4).
Esses prédios, que de certa forma acabam forçando um encantamento, na verdade não são convidativos, muito pelo contrário, eles nos repelem. Pallasmaa ainda garante que as coisas mais importantes da vida se fazem de olhos fechados (sonhar, escutar música, beijar...), e por isso critica fervorosamente o abuso da imagem visual da arquitetura atual.
"A arquitetura de hoje se descuidou dos sentidos, mas não só isso que explica sua desumanidade. Ela não é feita para as pessoas. Tem outros objetivos, alheios ao uso pelos cidadãos. De tal modo que a Arquitetura se tornou uma arte visual. E, por definição, a visão te exclui do que estás vendo. Vê-se desde fora, enquanto que a audição te envolve no mundo acústico. Nesta linha de raciocínio, a Arquitetura deveria envolver através da tridimensionalidade. O tato nos aproxima do tocado. Por isso, uma arquitetura que enfatiza a visão nos deixa 'fora de campo'”. (Pallasmaa apud Revista Viver Cidades n. 18, s/ data, p. 2).

Foto 43: Edifício E-Tower “Gritando” por Atenção. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/

Citemos o Edifício E-Tower, situado na Vila Olímpia, junto à marginal Pinheiros, na cidade de São Paulo, projeto assinado pelo escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos.

Chama atenção por ser monumental em todos os seus aspectos, característica atualmente buscada de maneira até incessante, na arquitetura contemporânea, o que se constitui no reflexo de uma cultura globalizada e consumista. Segundo Pallasmaa, atualmente “tudo tem que ser rápido e instantâneo. Ademais, há um excesso de todas as coisas. Sobretudo de informação. Se quiseres angariar atenção, tens que falar alto”. (Pallasmaa apud Revista Viver Cidades, n. 18, s/data, p. 3).

E o edifício aqui parece “gritar”. E não se conforma em fazê-lo uma só vez, e por isso o faz três vezes.

Primeiramente causa impacto aos olhos seu excesso de luz, devido à película de vidro espelhado e granito polido que revestem todo o edifício, exagerando assim, do sentido da visão, pois, como foi dito, segundo Pallasmaa, a imagem visual é a que causa um impacto mais imediato e instantâneo.

Devido à sua escala proporcional e, até mesmo, exageradamente maior que a escala humana, o edifício de 148 metros de altura, causa um impacto ainda maior, num segundo momento. Ele consegue ser imponente mesmo frente às edificações do entorno, que já possuem uma escala predominantemente maior do que a do ser humano. Seu hall de entrada possui uma altura superior a três pés direitos com, 10 metros, o que dar um ar de sofisticação e imponência, comum às obras contemporâneas do séc. XXI., inspiradas inconscientemente na arquitetura clássica romana, que, segundo Zevi, é um estilo que “serve para os interiores (...) em obras que impressionam pela grandeza e pelas dimensões, mas não comovem pela inspiração; obras quase sempre frias, onde não nos sentimos em casa”. (ZEVI, 1918, p. 70).

Em terceiro lugar, o edifício chama a atenção pelo diálogo que faz entre seus volumes escalonados, aguçando o sentido do tato, que nos permite a noção de tridimensionalidade.

Contudo, este é apenas um dos tantos edifícios que hoje em dia são cada vez mais comuns. Infelizmente, essas edificações são vistas por nós como o símbolo do progresso e riqueza das grandes metrópoles. Apesar de obterem seu devido valor arquitetônico, pois o projeto foi premiado pela Asbea, na categoria “edifícios de serviço” (Revista Projeto Design n. 322, 2006), e até urbano, pois “Os autores criaram uma generosa praça no recuo frontal, dividindo espaço com um espelho d’água” (http://www.arcoweb.com.br/, 24/11/2007), o seu excesso nas cidades causa opressão.

Edificações como esta impõe uma “seleção natural” que afasta grande público, ditando quem deve ou não adentrá-lo. Não é qualquer pessoa que se sente à vontade para tal. Antes disso, o indivíduo chega a se questionar se está “à altura” daquela edificação, se está mesmo bem vestido ou se tem poder aquisitivo suficiente.

Conforme explicou Pallasmaa, é preciso saber usar da escala. As antigas catedrais, por exemplo, “falavam alto”, mas além de impressionar, te convidavam a entrar e proporcionavam um encontro íntimo consigo mesmo. (Pallasmaa apud Revista Viver Cidades n. 18, p. 3).

fragmentos de Monografia "ARQUITETURA... UMA PAUSA PARA A EMOÇÃO", apresentada ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tiradentes em 2007. Autoria: Carolina A. Vasconcelos.

BIBLIOGRAFIA: BOTTON, Allain de. A Arquitetura da Felicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2007./ FERNANDES, Patrícia de Aguiar. Ser Arquiteto: Um Resgate de Sua Essência. Aracaju: Monografia apresentada ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tiradentes, 2006./ Revista Viver Cidades, n. 18, sem data./ ZEVI, Bruno. Saber Ver a Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1918./ Revista Projeto Design, 322. Dezembro, 2006./ www.arcoweb.com.br/arquitetura, 24/11/2007, 19h.

"O padrão arquitetônico também segrega, separa, expulsa" (CARLOS, Ana Fani A. A Cidade. São Paulo: Contexto, 2007, p. 21)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O Tempo e O Ritmo



Cito trecho do Livro "A Cidade"*, de Ana Fani A. Carlos:


"A música 'Sinal Fechado' de Paulinho da Viola, expressa bem a questão do tempo no cotidiano dos habitantes da cidade.

_Olá, como vai?
_Eu vou indo e você, tudo bem?
_Tudo bem, eu vou indo, correndo. Pegar meu lugar no futuro, e você?
_Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranqüilo, quem sabe?
_Quanto tempo...
_Pois é, quanto tempo...Me perdoe a pressa.É a alma dos nossos negócios...
_Qual, não tem de que. Eu também só ando a cem.
_Quando é que você telefona?Precisamos nos ver por aí.
_Pra semana, prometo, talvez nos vejamos, quem sabe?
_Quanto tempo...
_Pois é, quanto tempo...Tanta coisa que eu tinha a dizer mas eu sumi na poeira das ruas
_Eu também tenho algo a dizer mas me foge a lembrança
_Por favor, telefone, eu preciso beber alguma coisa rapidamente pra semana...
_O sinal...Eu procuro você...
_Vai abrir!!!
_Vai abrir!!!
_Eu prometo, não esqueço, não esqueço
_Por favor, não esqueça
_Adeus...
_Adeus...

O Sinal dá a idéia do tempo e do entendimento sobre o tempo. O semáforo é o símbolo da cidade de hoje, do seu ritmo febricitante, dos signos que emitem ordem. De um tempo social diferencial construído por relações produtivistas. O decurso de tempo entre o 'verde-amarelo-vermelho' marca o tempo da conversa, do relacionamento com o outro. Impõe o corre-corre, subtraindo do tempo a vida, no cotidiano do cidadão da grande cidade. O tempo passa a mediar a vida das pessoas, do seu relacionamento com o outro, uma relação coisificada, mediada pelo dinheiro e pela necessidade de ganhá-lo. 'TIME IS MONEY'.
O ritmo da música dá-nos a sensação do 'ritmo da vida' e as pessoas se relacionam pelo tempo de duração da mudança do 'verde-amarelo-vermelho'.
O ritmo da cidade, esse tempo-duração, marcade tal modo a vida das pessoas que estas perdem a identificação com o lugar e com as outras pessoas. A duração é determinada por um tempo que tem a dimensão de produzir-se social e historicamente, diferente do tempo biológico que é determinado pela natureza.
Na realidade, essa noção de tempo, que permeia a vida de relações, alude à situação do homem no mundo moderno, conflituosa e contraditória."


*Carlos, Ana Fani Alessandri. A Cidade. São Paulo: Contexto, 2007.