Infelizmente, há motivos para não possuirmos sensibilidade para com a arquitetura, uma vez que não há muita beleza nas ruas da maioria das cidades atuais e, numa análise mais profunda, até mesmo dentro das nossas casas. Portanto, preferimos nos tornarmos alheios à “feiúra” ao redor e assim passamos a incorporar a falsa sensação de que arquitetura não exerce influência sobre nossas mentes, conforme escreveu Alain de Botton:
"É para impedir a possibilidade de angústia permanente que podemos ser levados a fechar os olhos para quase tudo que nos cerca, pois nunca estamos longe de manchas de umidade e tetos rachados, cidades despedaçadas e estaleiros enferrujados. Não podemos permanecer indefinidamente sensíveis aos ambientes que não temos como melhorar - e acabar tão consciente quanto temos condições de ser. (...) talvez nos vejamos argumentando que, em última instância, não importa muito a aparência dos prédios, o que está no teto ou como a parede é tratada – confissões de desapego que se originam não tanto de uma insensibilidade ao que é belo quanto do desejo de afastar a tristeza que teríamos de enfrentar ficando expostos às muitas ausências de beleza. (BOTTON, 2007, p. 13).
Será que a justificativa encontra-se na escassa presença dos arquitetos na elaboração dos projetos arquitetônicos, em detrimento dos profissionais das engenharias? Mais uma vez acabamos por adentrar numa questão que merece reflexão, pois, é fato que, no Brasil, muitas edificações não nascem do pensamento de arquitetos, mas, por outro lado, parece que a afirmativa para esse questionamento se tornou uma fuga da real responsabilidade que esses profissionais se recusam em assumir.
Parafraseando Fernandes, é preciso recuperar a essência da arquitetura, pois devido a questões de caráter socioeconômico, a profissão perdeu seu significado cultural e ideológico. “Muitas vezes, a arquitetura é utilizada como marketing, utilizando diversos artifícios que despertem a atenção, que causem impacto, independente do seu nível intelectual” (FERNANDES, 2006, p. 15).
Infelizmente, a fim de causar impacto e chamar atenção, os arquitetos contemporâneos exageram do sentido da visão, através da imagem visual nas grandes metrópoles. Assim, as edificações “decidem mal-humoradamente não considerar seus vizinhos e gritar caoticamente por atenção, como amantes ciumentos e enraivecidos”. (BOTTON, 2007, p. 178).
Isso justifica o uso abusivo dos vidros reflexivos, dos metais, enfim, dos materiais brilhosos nos arranhas céus, fazendo com que se desperte a atenção logo no primeiro momento. É muita luz, muito brilho e muita poluição visual. O arquiteto Juhani Pallasmaa, em entrevista à revista Viver Cidades, declara que "a luz é uma coisa boa mas, assim como a água, quando em excesso, aniquila. Meus olhos não suportam o excesso de luminosidade, por isso, procuro sempre a sombra. E vivo num país sombrio. Como observou Louis Kahn, a pessoa que deseja ler um livro, procura a janela". (Pallasmaa apud Revista Viver Cidades n. 18, s/data, p. 4).
Esses prédios, que de certa forma acabam forçando um encantamento, na verdade não são convidativos, muito pelo contrário, eles nos repelem. Pallasmaa ainda garante que as coisas mais importantes da vida se fazem de olhos fechados (sonhar, escutar música, beijar...), e por isso critica fervorosamente o abuso da imagem visual da arquitetura atual.
"A arquitetura de hoje se descuidou dos sentidos, mas não só isso que explica sua desumanidade. Ela não é feita para as pessoas. Tem outros objetivos, alheios ao uso pelos cidadãos. De tal modo que a Arquitetura se tornou uma arte visual. E, por definição, a visão te exclui do que estás vendo. Vê-se desde fora, enquanto que a audição te envolve no mundo acústico. Nesta linha de raciocínio, a Arquitetura deveria envolver através da tridimensionalidade. O tato nos aproxima do tocado. Por isso, uma arquitetura que enfatiza a visão nos deixa 'fora de campo'”. (Pallasmaa apud Revista Viver Cidades n. 18, s/ data, p. 2).
Foto 43: Edifício E-Tower “Gritando” por Atenção. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/
Citemos o Edifício E-Tower, situado na Vila Olímpia, junto à marginal Pinheiros, na cidade de São Paulo, projeto assinado pelo escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos.
Chama atenção por ser monumental em todos os seus aspectos, característica atualmente buscada de maneira até incessante, na arquitetura contemporânea, o que se constitui no reflexo de uma cultura globalizada e consumista. Segundo Pallasmaa, atualmente “tudo tem que ser rápido e instantâneo. Ademais, há um excesso de todas as coisas. Sobretudo de informação. Se quiseres angariar atenção, tens que falar alto”. (Pallasmaa apud Revista Viver Cidades, n. 18, s/data, p. 3).
E o edifício aqui parece “gritar”. E não se conforma em fazê-lo uma só vez, e por isso o faz três vezes.
Primeiramente causa impacto aos olhos seu excesso de luz, devido à película de vidro espelhado e granito polido que revestem todo o edifício, exagerando assim, do sentido da visão, pois, como foi dito, segundo Pallasmaa, a imagem visual é a que causa um impacto mais imediato e instantâneo.
Devido à sua escala proporcional e, até mesmo, exageradamente maior que a escala humana, o edifício de 148 metros de altura, causa um impacto ainda maior, num segundo momento. Ele consegue ser imponente mesmo frente às edificações do entorno, que já possuem uma escala predominantemente maior do que a do ser humano. Seu hall de entrada possui uma altura superior a três pés direitos com, 10 metros, o que dar um ar de sofisticação e imponência, comum às obras contemporâneas do séc. XXI., inspiradas inconscientemente na arquitetura clássica romana, que, segundo Zevi, é um estilo que “serve para os interiores (...) em obras que impressionam pela grandeza e pelas dimensões, mas não comovem pela inspiração; obras quase sempre frias, onde não nos sentimos em casa”. (ZEVI, 1918, p. 70).
Em terceiro lugar, o edifício chama a atenção pelo diálogo que faz entre seus volumes escalonados, aguçando o sentido do tato, que nos permite a noção de tridimensionalidade.
Contudo, este é apenas um dos tantos edifícios que hoje em dia são cada vez mais comuns. Infelizmente, essas edificações são vistas por nós como o símbolo do progresso e riqueza das grandes metrópoles. Apesar de obterem seu devido valor arquitetônico, pois o projeto foi premiado pela Asbea, na categoria “edifícios de serviço” (Revista Projeto Design n. 322, 2006), e até urbano, pois “Os autores criaram uma generosa praça no recuo frontal, dividindo espaço com um espelho d’água” (http://www.arcoweb.com.br/, 24/11/2007), o seu excesso nas cidades causa opressão.
Edificações como esta impõe uma “seleção natural” que afasta grande público, ditando quem deve ou não adentrá-lo. Não é qualquer pessoa que se sente à vontade para tal. Antes disso, o indivíduo chega a se questionar se está “à altura” daquela edificação, se está mesmo bem vestido ou se tem poder aquisitivo suficiente.
Conforme explicou Pallasmaa, é preciso saber usar da escala. As antigas catedrais, por exemplo, “falavam alto”, mas além de impressionar, te convidavam a entrar e proporcionavam um encontro íntimo consigo mesmo. (Pallasmaa apud Revista Viver Cidades n. 18, p. 3).
fragmentos de Monografia "ARQUITETURA... UMA PAUSA PARA A EMOÇÃO", apresentada ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tiradentes em 2007. Autoria: Carolina A. Vasconcelos.
BIBLIOGRAFIA: BOTTON, Allain de. A Arquitetura da Felicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2007./ FERNANDES, Patrícia de Aguiar. Ser Arquiteto: Um Resgate de Sua Essência. Aracaju: Monografia apresentada ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tiradentes, 2006./ Revista Viver Cidades, n. 18, sem data./ ZEVI, Bruno. Saber Ver a Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1918./ Revista Projeto Design, 322. Dezembro, 2006./ www.arcoweb.com.br/arquitetura, 24/11/2007, 19h.
"O padrão arquitetônico também segrega, separa, expulsa" (CARLOS, Ana Fani A. A Cidade. São Paulo: Contexto, 2007, p. 21)